Responda com sinceridade: você se considera uma boa mãe? Quando recebi o texto da nossa colunista Kênia Braga e li essa pergunta, na hora minha resposta imediata foi: eu não sou boa mãe. Mas quer saber? Eu me acho uma ótima mãe suficiente. E é isso que nossos filhos precisam, de uma mãe suficientemente boa, como diria o pediatra, psiquiatra e psicanalista inglês Winnicott.
Você se considera “UMA BOA MÃE”?
Para ser uma boa mãe, muitas mulheres acreditam que precisam doar-se completamente e atender a todas as expectativas e interesses de seus filhos, acreditam na perfeição da maternidade e sofrem constantemente com a sensação de estarem sempre abaixo das expectativas sociais relacionadas à maternidade.
A mãe ama, mas também sente raiva, fica cansada, se desequilibra, se sente perdida, se arrepende da maternidade, sonha com sua liberdade, pois as mulheres possuem uma pluralidade e uma complexidade que não morre com a maternidade. Poder falar sobre os sentimentos mais assombrosos e velados é importante no sentido de promover a saúde mental das mães. Mas, infelizmente, muitas mães jamais terão acesso a informações que contribuam para esta reflexão, o que torna o contexto da maternidade bem assustador. Um terreno fértil para o desenvolvimento de psicopatologias importante como a depressão e a ansiedade.
O amor materno foi por tanto tempo concebido em termos de instinto que acreditamos fielmente que tal comportamento seja parte da natureza da mulher, independente do tempo ou cultura em que ela vive. Ao se tornar mãe, encontra em si mesma todas as condições para amar e cuidar de seus filhos, como se fosse uma experiência mágica. Mas as mães francesas da Idade Média, confirmam que estas crenças não são fidedignas, inclusive, o governo teve que intervir à favor da amamentação e dos cuidados intensos com recém-nascidos, pois era algo que as mães não respondiam prontamente.
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Na verdade o vínculo mamãe-bebê está circunscrito na inserção de valores de uma sociedade…Existem explicações de base evolutiva em favor do desapego com a prole, a amamentação funcionava comparativamente ao que acontecia com os animais. E nesta correlação as mulheres se distanciavam do ato e contratavam as amas para cuidar de seus filhos, os enviava para as casas destas cuidadoras e a mortalidade infantil era muito frequente, pois não havia informações de que os bebês funcionavam diferentemente dos animais mais primitivos, e necessitavam de afeto e atenção. Sem criar um vinculo importante de afeto com seus filhos, as mães biológicas não sofriam.
O amor materno é um sentimento humano como outro qualquer, ambivalente, frágil e imperfeito. Portanto, estudos apontam que este sentimento não esteja profundamente inscrito na natureza feminina. Convencer uma grande parte das pessoas a se dedicar a cuidar da prole, implicou na necessidade de diminuir o espaço da mulher.
Colocar a mulher na função de mãe foi uma estratégia condicionada, sem qualquer treinamento ou psicoeducação. Ela descobriu a duras penas que quanto mais ela se entrega para cuidar da criança, menos ela existe como pessoa. Segundo Foucault, é muito mais eficaz criar o desejo de uma coisa do que obrigar e reprimir. Portanto, o instinto materno é uma construção cultural. A culpa materna é a resposta de que essa inserção de crenças sociais funcionou.
A mulher sofre toda essa pressão mas não pode falar que está cansada ou que se arrepende da maternidade. No entanto, todas sentem, mas ninguém fala sobre, porque serão julgadas…
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A literatura psicanalítica, inicialmente, contribuiu para a compreensão dos desafios e exigências para a mãe no processo de transição para a maternidade, não escondendo o quanto esse processo é desafiador e exigente para a mãe. Caron & Lopes, Stern, Winnicott, retrataram sobre o ambiente social, a idealização da maternidade, a negação de sentimentos ambivalentes e sobre a tão idealizada sensação de completude.
A literatura antropológica também ajudou na compreensão, das representações sociais da maternidade, o quanto estão fortemente embasadas no mito da mãe perfeita, culturalmente. Estas influências, apontam o risco de naturalizarmos o que é histórico e de passarmos a ver a maternidade como parte inerente do ciclo vital feminino, algo inato à mulher como projeção da feminilidade.
Algumas perspectivas, supõem que a mãe desenvolva naturalmente um amor incondicional pelos filhos, tornando-se a única pessoa capacitada para cuidar dos mesmos e desconsiderando o fato de que a maternidade se constitui dentro de um processo de desenvolvimento e amadurecimento pessoal, promovido pelo treino de habilidades que poderão não acontecer, mesmo após a gestação e nascimento do bebê, como mostram estudos desenvolvidos por Caron e Lopes (2014). Para Arrais e Azevedo (2006), essa idealização e naturalização da maternidade entra em conflito com a vivência da maternagem, que deflagram sentimentos semelhantes ao de estar sendo relapsa e irresponsável e, promovem o sofrimento psíquico por parte dessas mães.
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Cuidar dos filhos não é uma capacidade exclusivamente feminina! E não deveria ser delegada somente à mãe, pois se trata de um aprendizado importante, que envolve esforço mútuo e responsabilidade de todos os tutores.
As mães se tornam doentes emocionalmente pela sobrecarga devido as metas irreais que estabelecem dia após dia no cuidado com seus filhos. Acabam aderindo uma visão distorcida de si mesma, com sentimento de defectividade, como se estivesse algo quebrado dentro delas, impossível de consertar. Vivem, portanto, desapontadas consigo próprias e a culpa faz casa em seu emocional, retirando toda a energia mental e as crenças positivas em si mesmas. É como se adotassem uma nova personalidade e tivessem perdido totalmente de si mesmas e apresentam uma dissonância cognitiva em relação ao que acreditam ser importantes para seus filhos e seu papel como mãe. Muitas mulheres que foram independentes anteriormente, encaram maternidade como uma prisão.
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