Hoje, quem fala com vocês é a leitora Samara, que me enviou um sincero e emocionante relato sobre a depressão pós parto que ela viveu após o nascimento do seu primeiro filho.
Vale a pena ler, entender, e se sensibilizar com essa história. Acho muito importante compartilhar relatos sobre depressão pós-parto porque, primeiramente, esse é um assunto importante, que por muito tempo foi pouco abordado e também porque, muitas mães podem estar vivendo esse problema sem perceber (e assim, não estarem indo atrás do tratamento adequado e necessário).
Em breve o assunto depressão pós parto será abordado novamente aqui no blog. E se vocês quiserem ler o que já foi escrito sobre isso, leia esse e esse post.
Depressão pós-parto – texto escrito por Samara Barros
Em outubro de 2014 eu descobri que estava grávida.
Claro que não foi exatamente uma surpresa, já que virginiana e planejada como sou, eu já tinha feito todos os exames, tomado as vacinas, azucrinado o marido para fazer um espermograma e já cogitava uma histerossalpingografia. Aos 16 anos ouvi de um médico que poderia ter ovários policísticos e desde então eu tinha quase certeza que teria problemas para engravidar (otimismo nunca foi o meu forte).
Pois bem, começamos a tentar e conseguimos depois de…2 meses!
Nesse ponto, é importante descrever como era minha vida até então: trabalhava 10 horas por dia, saía com amigos de diferentes turmas ao menos uma vez por semana, fazia academia (e gostava…muito!), corria no parque (no mínimo, 10km, pra valer a pena), nossa casa recebia amigos todo final de semana, adorava comprar roupas e não saía de casa sem um belo salto alto. Além disso, costumava dizer que era uma vida pautada em planejar a viagem anual de férias (sempre passando por NYC, minha grande paixão).
Depois de descobrir a gravidez, a minha vida permaneceu quase assim. Diminui a corrida para caminhada, parei a academia (o sono não me permitia) e a cerveja passou a ser sem álcool. Mas segui firme e forte no salto alto até 3 dias antes do parto. Nunca tive um enjôo sequer.
Li os livros indicados para “encantar o bebê”, tinha certeza que estava tudo entendido e que eu conseguiria compreendê-lo, afinal bastava “classificá-lo”e seguir as instruçōes.
No dia 17 de junho de 2015, nasceu o João. Ás 2 da manhã, depois de 7 horas de trabalho de parto que resultaram em 0,5 cm de dilatação, ele chegou por uma cesariana tranquila e rápida.
E, a partir daquele momento, a minha vida se resumiu em uma única sensação: medo.
Primeiro o medo de sair da maternidade e voltar para casa, que me levou a uma crise de choro já no estacionamento. Ao olhar para o meu bebê pequeno e indefeso ali na cadeirinha eu queria apenas desaparecer.
Nao tive nem de perto a sensação do “maior amor do mundo”, as lágrimas não foram de emoção, foram de desespero. Eu só pensava que aquela vida que eu tinha antes, jamais voltaria.
Numa sexta-feira fria e chuvosa viemos para casa, nem minha casa que eu adorava tanto parecia me acolher. Eu sequer sabia onde ficar dentro dela.
Nos dois dias que se seguiram, as famílias se revezaram, trazendo comida e nos dando apoio. João pegou o peito já na maternidade direitinho, nunca tive uma fissura sequer, nada. Ele dormia boa parte do tempo, mas obviamente chorava em alguns momentos. Principalmente à noite. É nós simplesmente não fazíamos idéia de como acalmá-lo (isso não vem nos livros). Balançava, acolhia e nada. Fazia o shhhhhh, charutinho e em algum momento ele acabava adormecendo. E eu não dormia, preocupada com a hora em que ele acordaria e eu não saberia o que fazer com ele. Dizia o livro que ele devia comer, depois fazer alguma atividade e depois dormiria, então eu teria um tempo pra mim. Mas que raio de atividade se faz com um bebê de 5 dias????
No 5o dia de vida dele fomos ao pediatra, a avaliação foi: engordou X gramas, está bom. Mas poderia estar melhor.
Pronto! Aquilo basicamente, me destruiu. A amamentação passou a ser um martírio: João ficava uma hora e meia no peito e o médico dizia que ele deveria ficar no máximo 40 min. O mesmo dizia que ele devia sair desmaiado depois de mamar, isso NUNCA aconteceu até hoje…e eu me sentia um ET em forma de mãe. Uma amiga descreveu perfeitamente: foi como um homem ouvir que é brocha.
Depois disso, foi ladeira abaixo. Meu marido perguntava se ele tinha mamado bastante, eu chorava porque não tinha a menor idéia. Minha mãe sugeria a mamadeira, eu chorava porque nunca tinha visto um bebê de um mês ter que tomar fórmula. Tomei e comi absolutamente tudo que diziam aumentar a produção de leite: nada funcionou. E com
isso, parti mesmo para a mamadeira, meu primeiro atestado de incapacidade, como eu pensava na época.
Os dias se passavam, todos iguais. Minha mãe vinha e ficava comigo umas 3 horas, fazia o almoço, arrumava a casa e me dava um tempo para tomar banho e comer.
O resto do dia era uma solidão sem fim, sentada no sofá eu esperava ele acordar, dava de mamar e rezava para ele dormir de novo. Por medo de que ele chorasse, eu não saía de casa. Pelo mesmo motivo, eu não queria receber ninguém.
As noites eram uma tortura: geladas e solitárias, amamentando sozinha no quarto dele e vendo a vida dos outros em plena atividade na internet. As pessoas na academia, no happy hour, nos lugares que faziam parte da minha vida de antes.
Quando meu marido ficava com ele, eu tomava um banho mais demorado e desatava a chorar.
Até hoje tenho escrito num caderninho ao lado da minha cama: 22 dias de medo. Era minha sensação depois de quase um mês.
Eu praticamente não tenho nenhuma lembrança boa desse primeiro mês, infelizmente.
Eu estava em transe e não entendia porque.
Foi então que voltei a fazer terapia e na primeira sessão eu praticamente só chorei,contei a ela da minha tristeza, da minha solidão e, por que não dizer, da minha decepção com tudo aquilo. De como eu queria desaparecer, ir embora e voltar daqui um ano, de como eu queria voltar a ter a minha vida tão boa de antes.
Nesse mesmo momento eu passei a ir para a casa da minha mãe alguns dias da semana. Lá eu me sentia melhor, ela me acompanhava dia e noite, acordava comigo nas madrugadas, cuidava de mim. Sempre voltava pra casa angustiada, cada vez mais.
Aos domingos, sabendo que no dia seguinte estaria sozinha, me faltava o ar, meu coração parecia que estava esmagado. Vieram as cólicas, mais desespero, mais choro. Os finais de tarde eram assustadores, me lembro de um em que ele chorava e eu rezava na varanda, pedia a Deus que me ajudasse, que me tirasse daquela situação.
Depois de quase 2 meses nessa rotina, eu não conseguia mais respirar, contava os minutos para meu marido chegar do trabalho desde a hora em que ele saía de manhã.
A essa altura, eu estava passando praticamente a semana na casa da minha mãe, só conseguia me sentir melhor lá. Ainda assim, ela saía para ir ao supermercado, eu ficava apavorada.
Praticamente, eu não tinha nenhum momento de felicidade, só conseguia sentir tristeza. Joao crescia bem, saudável e eu não conseguia aproveitar nada.
Me lembro de um domingo, quando fomos a um churrasco da família do meu marido e eu não conseguia sequer conversar. Estava apática, hipnotizada por essa sensação horrorosa de medo. Me preocupava que ele chorasse, que ele estivesse sofrendo por algum motivo e eu sentia que precisava estar com ele o tempo todo para evitar isso.
Na mesma semana minha mãe teve que fazer uma viagem com meu pai e minha irmã e eu tive uma crise, entrei em pânico, passei horas chorando e, de fato, achei que ia morrer. O único pensamento que eu tinha era: se eu sumir, sera que meu marido cuida do meu filho? Talvez seja até melhor para ele pois não teria que conviver com uma mãe assim.
E enfim procurei uma psiquiatra que confirmou o diagnóstico: depressão pós-parto.
Ela me explicou que isso era uma doença e que, como toda doença, precisa ser tratada com remédios. Disse ainda que essa crise foi resultado de uma queda brusca hormonal somada à uma cobraça muito forte comigo mesma e uma expectativa muito alta (e, obviamente, nāo atingida).
Porém, a orientação mais importante que recebi foi: faça apenas o que tem vontade. Analisando hoje, acho que poucas vezes fiz só o que tinha vontade, isso porque o que os outros pensariam era uma preocupação constante na minha vida.
Na semana seguinte, me mudei para a casa da minha mãe, onde encontrei companhia, apoio e acolhimento. Meu marido me apoiou completamente, ele vivenciou a crise, foi comigo à psiquiatra e entendeu o que se passava. Ele ainda assumiu a responsabilidade de explicar às pessoas o porque de eu deixar a minha casa, o que nem sempre é fácil de entender. Já que uma pessoa que acaba de ganhar um bebê lindo e saudável deveria estar plenamente feliz e satisfeita.
E assim, aos poucos e bem devagar, as coisas foram entrando nos eixos. Eu comecei a reconhecer as pequenas felicidades nas evoluçōes do João, e fui conseguindo me conectar a ele. O medo foi sendo suavizado pelo carinho, pela segurança de que eu não estava só. Reconheci que eu precisava de ajuda, e me deixei ser ajudada, e foi assim que fui deixando o fundo do poço.
Uma vez eu li que estar em depressão é como morrer e continuar vivo, acho que essa é a melhor descrição da doença. O que agrava, no caso da depressāo pós-parto é que além de continuar vivo, você precisa cuidar de um serzinho que depende 100% de você, não dá para simplesmente se trancar num quarto e dormir até passar.
Hoje eu entendo o que se passou comigo: eu sofri a perda e o luto da Samara que deixou de existir, que se foi junto com o parto. Hoje não me sinto mais culpada em assumir que não existe um dia sequer que não sinta falta da academia, da corrida, do cinema e do happy hour.
Ao mesmo tempo, conheci e estou aprendendo a ser feliz sendo a Samara, mãe do João. Vivo hoje uma paixão pelo meu filhote que ilumina meus dias com seu sorriso banguela e com a doçura do seu olhar.
Eu faço questão de contar o que passei, não sou a pessoa que diz que ser mãe é a melhor coisa do mundo porque ainda não atingi esse estágio. E honestamente, nem tenho grandes expectativas quanto a isso. Penso que ser mãe é bom, assim como ser solteira é bom e ser casada também é. Cada coisa no seu tempo.
Essa semana João fez 5 meses, em breve vamos nos separar porque voltarei a trabalhar. Sentirei falta dele a cada minuto, pensarei nele em cada momento do meu dia, mas não nego a alegria de reencontrar mais um pedacinho da Samara de antes. Afinal, eu continuo gostando muito dela e vai ser bom matar um pouco da saudade.