No post de hoje, o relato de parto normal de uma mãe portadora da doença de Von Willebrand, uma doença hemorrágica, hereditária, causada por uma diminuição/disfunção de uma proteína chamada fator de von Willebrand.
Confira e emocione-se!
Relato de parto normal
Por Fernanda Teófilo Araújo
Filha, quero te falar sobre a noite mais incrível da minha vida. Quero te falar sobre amor, gratidão e fé. Dia 12/01/2016 acordei normalmente, estava com 38 semanas e 1 dia de gestação. Acreditava que você ainda demoraria um pouco a chegar. Terminei de organizar as lembrancinhas da maternidade, com todo carinho. À tarde, eu e sua avó Helenice fomos à consulta com a dra. Denise, hematologista que me acompanhou a gestação inteira. Mamãe tem uma doença rara, chamada Von Willebrand, que atrapalha a coagulação do sangue, podendo causar hemorragias. A dra. Denise me examinou e ajustou os últimos detalhes do preparo para o nosso parto. Fomos embora, deixei sua avó no trabalho e fui fazer a drenagem que fazia toda semana. Já estava bem inchada e isso ajudava a me sentir melhor. A sessão terminou e fui para casa. No meio do caminho, tive uma sensação estranha, mas não sabia o que era. Senti minha barriga diferente, mais leve. Cheguei em casa, estacionei o carro e, quando desci, veio aquela enxurrada. A bolsa tinha rompido. Eu tinha me preparado tanto para aquele momento, lido tanto, pesquisado tanto e fiquei sem reação na hora. Não tinha mais certeza de nada e não sabia o que fazer, mas milagrosamente eu estava calma. Muito calma, como poucas vezes estive. Sentei para esperar seu pai chegar. Estava tranquila, serena.
Assim que soube da gravidez eu tive certeza que seu parto seria normal. Queria que você nascesse no seu tempo, com respeito e amor. Mesmo sendo desacreditada por vários médicos que falavam que o melhor para nós seria a cesárea, por causa do Von Willebrand, eu persisti. Começamos a fazer fisioterapia do assoalho pélvico no início da gestação e nos preparamos para o parto normal. Falo começamos porque, em nenhum momento, eu estive sozinha. Seu pai me acompanhou em tudo, nossa família sempre esteve presente. Eu tive muitos ombros para me apoiar nessa caminhada.
Àquela altura, eu já tinha separado óleos e sais de banho pra ficar na banheira esperando as contrações. Queria ficar na nossa casa, no nosso aconchego, estava preparada para enfrentar muitas horas de trabalho de parto. Seu pai chegou e eu falei: – Acho que Pietra vai nascer! Nesse momento, ele, a pessoa mais calma do mundo ( só perde pro seu avô Ericsson) transformou-se, ficou super nervoso e agitado. Andava de um lado pro outro, ligou pro obstetra e para suas avós e não me deixou ir pra banheira. Ele queria ir pro hospital logo. Fui tomar banho de chuveiro mesmo, quando veio a primeira contração. Foi forte, doeu, mas eu fiquei tão feliz que ria sozinha no banheiro. Era muito bom saber que você estava chegando. A caminho do hospital a segunda contração. A partir daí, os intervalos foram cada vez menores. Cheguei ao hospital toda molhada e com bastante dor. Quando dr. Henrique me examinou estava com 6cm de dilatação. Dr. Henrique foi o médico que me acolhei depois que vários me fragilizaram muito e se negaram a fazer o parto. Cheguei a escutar de uma médica que ela estava com medo de mim por causa do Von Willebrand. Confesso que uma vez pensei sim em desistir do parto normal e fazer a cesárea, como eles queriam, mas graças a Deus me mantive firme, por você, por nós. Não queria que você fosse tirada de dentro de mim no momento que os médicos achassem mais conveniente. Queria que você escolhesse o seu momento. O dr Henrique me respeitou e topou arriscar.
Estávamos eu e você, seu pai, seu tio Sebastião e o dr. Henrique quando eu pedi a anestesia. As contrações já vinham uma atrás da outra e eu sentia muita dor. Nunca vou esquecer do anestesista. Eu me contorcia de dor e me agarrava ao seu pai. Ele chegou e me falou: “- Você que tem Von Willebrand, né?” Não esperou eu responder, me olhou com frieza e soltou: “- Vou te falar uma coisa. Não engravida mais não, não faz isso de novo, você esta procurando problema pra você mesma e pra nós da equipe médica.” Eu não acreditava que aquilo estava acontecendo comigo, naquele momento. Eu não conseguia falar, não conseguia responder, não conseguia entender o porque daquela agressão justamente em um momento tão importante pra mim. Ele optou por não me anestesiar, por não correr o risco e eu continuei morrendo de dor. Pietra, foi a maior dor que eu senti na vida, mas era uma dor diferente, em nenhum momento eu chorei ou gritei. Sabia que era o meu corpo se preparando para sua chegada. E ele fazia tudo sozinho, como se já soubesse como agir. A única coisa que eu fazia era me agarrar ao seu pai e rezar. Pedi a Deus que me desse força pra chegar até o final e Ele me amparou, me carregou. Quando já não conseguia ficar em nenhuma posição fomos pro chuveiro. No início, aliviou um pouco, mas depois a dor começou a apertar novamente. Seu pai me levou pro quarto, deitei de novo, dr. Henrique examinou e falou “- Ela já está coroando.” Seu pai viu sua cabecinha, olhou pra mim e sorriu. Você já estava pronta pra nós! Já sentia muita pressão, meu milagre estava para acontecer! Segurava firme em seu pai e fazia força. Estava louca pra ver seu rostinho. Você também queria ver o mundo logo, rapidinho nasceu.
Eu não conseguia acreditar, deu tudo certo! Melhor do que eu esperava. Chegamos ao hospital por volta das 21h e as 23:42 você nasceu. Dr. Henrique te colocou no meu colo. Eu e seu pai te abraçamos longamente, foi um momento único. Demos boas vindas a você, falamos da nossa felicidade em vê-la. Foi mágico. Mas tivemos que voltar pro mundo real. Eu tinha que ir pra UTI para controlar o sangramento e você foi para o berçário. Meu coração despedaçou-se, queria ter você em meus braços. Seu pai passou a noite comigo na UTI e no outro dia fui ao berçário te ver. Não aguentava mais esperar. Quando te vi não me contive. Nessa hora eu chorei. Chorei muito. Peguei você no colo. Nós estávamos bem, estávamos juntas.
Pietra, meu amor, nós vencemos as adversidades. Nós vencemos a intransigência. Nós vencemos o Von Willebrand.