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Preconceito contra crianças – precisamos falar sobre isso

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Há dois dias, uma coisa não me sai da cabeça. Vi no perfil de alguns conhecidos postagens indignadas com uma piada sem graça que um estabelecimento comercial de São Paulo fez referindo-se a crianças.

A piada era essa (só para vocês entenderem a história):

Na hora, pensei: meto ou não meto a mão nesse vespeiro. Resolvi não meter. Aí fui dormir, acordei, corri no parque e em, vez de esquecer da tal história, eu não conseguia parar de pensar nela e meu sangue fervia.

Não de raiva ou ódio do tal estabelecimento, mas de vontade de parar alguns minutos para refletir e escrever sobre essa história e sobre o tanto de questionamentos que ela levantou. Sobre o tanto que ela tem a dizer sobre a sociedade que vivemos hoje.

Aí, antes de mais nada, quero fazer um comentário. Sei que vai ter uma penca de gente que vai cair de pau nessa publicação dizendo que é uma bobagem tudo isso, foi só uma piada, somos todos sem senso de humor e não entendemos nada, a piada tem a ver com o estilo irreverente do estabelecimento, o mundo está muito chato, os “politicamente corretos” são insuportáveis, ai que chato esse mimimi e por aí vai. Sei que vai ter isso e deixo a liberdade de quem pensa dessa forma expressar a sua opinião.

Mas enfim, a minha opinião não é essa.

Ao ver a frase: “Aqui seu cão é bem vindo. Mas crianças, favor amarrá-las ao poste”, é claro que eu sabia que se tratava de uma piada (jamais imaginei que alguém escrevesse isso a sério). Mas vamos ser sinceros: cadê a graça disso? É necessário fazer uma brincadeira de tão mau gosto? E, se no lugar de crianças, estivesse escrito “gays”, “negros”, “deficientes físicos” ou qualquer outra minoria que já foi tratada (e muitas vezes ainda é) com imenso preconceito e desrespeito?

“Ah, mas que bobagem tratar isso como preconceito contra crianças. Cadê o senso de humor?”. Não sei o de vocês, mas o meu senso de humor passa longe de piadas agressivas, piadas machistas, piadas preconceituosos, piadas misóginas e por aí vai.

Há alguns anos, o Rafinha Bastos foi escrachado publicamente e perdeu diversos contratos publicitários (acho que até perdeu seu posto no programa CQC) porque fez uma piada infame envolvendo a Vanessa Camargo e o seu bebê. “Ah, mas era piada, gente! Quanto mimimi!”. Sim, era piada! Mas não me venha com essa de “quanto mimimi”. Quando se passa uma mensagem errada, agressiva, preconceituosa, machista, ridícula, não tem humor que compense a merda feita.

Aí, essa história toda me fez lembrar a de um restaurante na Itália que dá desconto na conta de famílias cujos filhos tenham bom comportamento. A notícia correu o mundo, dividiu opiniões e gerou bafafá. Eu, sempre tive a minha opinião a respeito, nunca a expressei, mas acho que hoje vale a pena tocar nesse ponto também.

Sei que eu, com meus dois filhos, um de 5 e um de 2 anos, se entrasse nesse restaurante, mais do que não receber desconto, muito provavelmente teria que pagar alguns euros de multa. Sim, não tenho filhos mega ultra super hiper bem comportados, daqueles que se sentam na mesa do restaurante, colocam o guardanapo sobre as pernas, comem e aguardam em silêncio até o fim da refeição. Meus filhos estão mais para crianças normais, que ficam entediadas antes da refeição acabar, que resolvem brincar embaixo da mesa porque ali está com cara de caverna, que colocam o Batman e o Superman para brigarem em cima do prato que está à sua frente.

São meus filhos mal educados? Não! Meus filhos recebem educação sim e posso dizer que ela está mais para rígida do que para liberal, mas eles são crianças, e nós sabemos muito bem que crianças nem sempre se comportam da maneira que a gente gostaria por mais que a gente faça de tudo para que isso aconteça.

Mas enfim, voltando ao ponto central desse post, eu acredito sim que, em diversas situações, há um enorme preconceito contra crianças. E falo isso porque eu passo por esse preconceito e porque eu já fui muito preconceituosa também. Ou seja, garanto para vocês que já estive dos dois lados.

Eu era daquelas que, se entrasse num avisão e visse que havia um bebê ou crianças perto de mim já começava a imaginar aquele vôo de forma infernal, que ia a restaurantes e olhava com cara feia para a mesa do lado se lá tivesse crianças, que nunca teve muita paciência para aguentar toda aquela energia dos pequenos.

Mas aí, eu mudei de lado, eu tive filhos, eu passei a conhecer e entender um pouco melhor esses serzinhos “incontroláveis” e, mais ainda, esses outros seres “relapsos e irresponsáveis” que tem filhos e não sabem como controlá-los: os pais (é piada tá, só para esclarecer!)

Gente, vamos parar para refletir: é claro que ninguém acha legal criança mal educada, criança birrenta, criança que acha que o mundo tem que girar em torno dela e todo mundo satisfazer suas vontades. Isso é horrível. Crianças não podem tudo e cabe aos pais ensinar isso a elas e impor limites. Por outro lado, crianças não são monstros, não são uma ameaça à humanidade, não vão acabar com qualquer programa do qual elas participarem (mesmo que seja um programa só de adultos). Crianças são apenas crianças, com suas vontades, desejos e anseios e que estão descobrindo o mundo, como nós também descobrimos uma vez, e que estão aí aprendendo a se comportar com base na experiências que vivem e no relacionamento que constroem com as pessoas que as rodeiam.

Enfim, escrevi esse textão que nem sei se você chegou a ler até aqui, para dizer que eu já fui aquela que se incomodava com crianças, mas hoje sou aquela que se incomoda quando percebe, clara ou veladamente, o preconceito contra crianças. Não acho que crianças tem que ser bem vindas em qualquer lugar (naquela de “vocês vão ter que me engolir”) e também não acho que todo lugar é absolutamente adequado para crianças. Mas o que não tolero, mesmo, é que se dissemine a ideia de que crianças são serem incontroláveis, mal educados e birrentos que estão por aí incomodando quem está em volta.

>>> Leia tambem: Eu era uma mãe perfeita, até ter filhos

Minha crítica não é só ao estabelecimento que postou a frase das crianças amarradas em postes. Nem só ao restaurante da Itália que dá desconto para crianças bem educadas. Minha crítica é a todos os locais, pessoas, ideias ou movimentos que, seja de forma série ou através de humor (duvidoso, no caso), trate crianças sem o respeito que elas, como qualquer ser humano, merecem.

E não, não estou defendendo que crianças podem tudo e que não há de se ter educação e respeito. Estou defendendo que crianças tem que ter limites, que crianças tem que respeitar, mas que crianças também precisam se sentir incluídas, ouvidas e respeitadas. É no diálogo que as coisas fluem, é quando existe empatia, é quando existe respeito, é quando existe amor que eles aprendem a serem os adultos que a gente espera que eles sejam um dia.

E, para finalizar, vou aqui deixar uma frase que vi sendo compartilhada nas redes sociais há alguns meses, num outro caso típico do tal “mas isso é puro mimimi desse pessoal do politicamente correto”. Ela dizia assim: “Se, nesse momento, você está pensando que o mundo está ficando tão chato que daqui a pouco quem tem dente vai parar de sorrir para não ofender quem não tem, te digo que o mundo está ficando tão melhor que, daqui a pouco, até quem não tem dente vai começar a sorrir porque o mundo está muito mais legal, mais humano e mais cheio de respeito.”.

Vamos aprender a respeitar as diferenças, as limitações e nos colocar no lugar do outro. Vale a pena. É um exercício que não dói, só acrescenta e nos ensina muito!

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