Macetes de Mãe

Perda gestacional – relatos das leitoras

Perda gestacional. Pode ser um aborto ou um bebê que nasce muito cedo e não resiste. Independente de como é ou quando é, é, em sombra de dúvidas, uma dor sem fim. Como relata quem viveu por isso, é um buraco que se abre, é uma culpa, um desespero, uma tristeza imensa.

Hoje, resolvi dar voz a algumas mulheres que viveram essa terrível experiência. E por seus relatos, o que percebo claramente é que ainda há muita falta de tato para tratar o problema e que poucos entendem a dor que realmente essa experiência causa.

Trazendo os relatos dessas mães, quero abrir os olhos da sociedade para esse problema, para essa falta de saber o que fazer quando alguém perde um filho durante a gestação, ou pior, para o descaso com que esse tipo de caso é tratado.

Chorei ao ler alguns trechos e admiro a força dessas mães. Mas acima de tudo, celebro a alegria e a vitória que vieram depois que o pior ficou para trás (sim, essas histórias tem finais felizes).

Leiam esses relatos e se emocionem como eu me emocionei. E se possível, compartilhem, para que mais e mais pessoas entendam que um aborto é sim a perda de um filho, mesmo que isso aconteça com apenas 8 semanas de gestação ou até menos. E ainda, que há necessidade de se saber respeitar essa dor e saber tratar adequadamente quem por ela passou.

Mais uma vez, é hora de pedir: mais respeito e mais compreensão, por favor!

Photo Credit: D.Clow – Maryland via Compfight cc

Relatos de perdas gestacionais (escritos por leitoras do blog Macetes de Mãe):

Há três anos, engravidei e tive um aborto com 7 semanas. Parece pouco, mas esse bebê já era parte da família. Horas antes do aborto ocorrer fiz eco, pois estava com sangramento, e ouvi o coraçãozinho daquele serzinho. Assim que cheguei no hospital, com sangramento, fiquei internada para repouso absoluto. Nesse momento, iniciaram-se as contrações e junto com elas, dores intensas. Tomei medicação para segurar, mas não resolveu mais. Cada vez que jorrava sangue do meu útero, me sentia impotente e culpada, pois meu corpo estava tentando expelir meu próprio filho. A dor era imensa, mas a dor na alma era muito pior: saber que você está perdendo seu filho e não poder fazer nada para evitar é horrível. Fiquei assim até que o médico disse: “Não tem mais jeito, o colo do útero está totalmente dilatado. Você quer fazer a curetagem agora ou prefere fazer eco antes?”. Claro que, no fundo, eu tinha a esperança de que meu bebê ainda estivesse vivo e optei por esperar até o dia seguinte. Fizemos eco e o feto ainda estava grudadinho no útero, como se tivesse lutado para ficar. Meu Deus, que dor na alma. Depois disso, fiz a curetagem e segui a vida. Chorei muito, VIVI meu luto. Algum tempo depois, achei que estivesse grávida novamente. Fiz testes de farmácia e todos deram negativo. Esqueci o assunto e, dois meses depois, voltei a menstruar, então conclui que era coisa da minha cabeça mesmo. Passaram-se mais uns dias e uma dor muito intensa no abdômen me fez desmaiar duas vezes seguidas em uma certa manhã. Somente eu e meu filho de dois anos em casa. Minha irmã chegou para me socorrer, me levou para o hospital e constatou-se que eu estava com gestação ectópica e precisaria operar imediatamente, pois poderia ter uma infecção. Fiz a cirurgia e, para minha sorte,manteve-se preservada a trompa. Só que após um dia de alta, novamente desmaios e necessidade de voltar ao hospital. Na verdade, eu estava entrando em choque por conta de uma hemorragia interna. Precisava operar novamente com urgência, mas eu poderia não resistir porque estava com pouco sangue. Passei a noite em transfusão para ser submetida à cirurgia. Foi retirada a trompa que estava sangrando e, novamente, dor, tristeza, luto. Passaram-se mais dois anos, e tive que fazer tratamento para um cisto hemorrágico no ovário. Após isso, fiquei duas semanas sem tomar anticoncepcional até retornar ao médico e … surpresa… eu estava grávida! Tive alguns contratempos durante essa gestação – bebê teve que nascer duas semanas antes do previsto – mas hoje tenho um novo filho nos braços com três meses. Lindo. Dois filhos lindos! Um de cinco anos outro de três meses. Confesso q não é fácil lidar com a crise de ciúme do mais velho, mas estou realizada, depois de tantas lágrimas.

Luciana, mãe de um menino de 5 anos e de um de 3 meses

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Me casei com 21 anos. Nós já namorávamos há 7 anos e sabíamos muito bem que queríamos uma família. Me casei em dezembro de 2012 e, em março de 2013, recebi a melhor notícia da minha vida: estava grávida. Era muita felicidade, mas depois de alguns dias da descoberta, vieram os momentos de tristeza. Era um dia normal, meu marido tinha saído para correr e eu estava deitada em casa assistindo TV. Fui ao banheiro e percebi uma mancha na calcinha, não era sangue vivo, era meio marrom, mas já fiquei com medo e liguei para meu marido. Ele veio para casa e fomos para o hospital. O plantonista me orientou a fazer repouso e me passou progesterona para ser colocada todos os dias. E assim eu fiz, mas dois dias depois tive um sangramento que não parava e muita, muita cólica. Voltei ao hospital e o médico me passou um medicamento injetável para dor, mas nada melhorava e eu não parava de sangrar, até que ele decidiu me internar e entrar com remédios mais fortes. Fiquei lá, a dor e o sangramento passaram, mas na madrugada, quando fui ao banheiro, apenas sentei e meu bebe caiu. Eu estava dopada e com esperanças, na hora não achava que pudesse ser o meu bebe, achei apenas que fosse um coágulo de sangue, mas na manhã seguinte veio a notícia de que era o meu bebe que tinha ido embora. Choramos muito, sofremos muito e oramos muito. Ele tinha apenas 8 semanas, mas o nosso amor era de uma vida. Depois disso, fui orientada que para engravidar de novo deveria aguardar 3 meses. Eu esperei, os 3 meses passaram, e lá veio meu positivo novamente. E, desta vez, veio com felicidade. 

Kamila, 24 anos, mãe da Valentina

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Em Dezembro de 2009 eu engravidei. Mesmo ainda na faculdade, eu fiquei muito feliz. Fiz o primeira ultrassom com 8 ou 9 semanas e estava tudo ok. Com 12 semanas, fiz outro ultrassom, a pedido da minha nova médica e, lembro-me muito bem, cheguei ao consultório alegre, fazendo planos, sonhando. Iniciamos o exame, o médico falava pouco e, ao terminar, ele me deu a pior notícia que já recebi até hoje: “Calma mãe, calma pai… eu sinto muito em dizer, mas o bebezinho de vocês é anencefalo, infelizmente ele não formou a cabeça”. Foi horrível. Meu bebe foi diagnosticado com a Síndrome de Dandy Walker e outras complicações. Vesti minha roupa amparada pelo meu marido, na época meu namorado. Nos abraçamos e choramos muito. Eu não sentia a minhas pernas. Era uma tarde de muito sol, mas quando chegamos do lado de fora da clinica começou a chover, mesmo com o sol. Eu fiquei na chuva, pedi a meu marido que me deixasse na chuva, eu precisava daquilo. E só me perguntava: Meu Deus o que fiz? Procuramos outros médicos e o diagnóstico era o mesmo: se meu bebe nascesse, teria horas de vida. Fui até um renomado e experiente médico daqui de São Luis/Ma e ele foi um verdadeiro anjo em minha vida. Ele me acompanhou durante todo esse difícil e doloroso processo e, mesmo sabendo de todos os riscos, decidimos ir até onde desse. No sexto mês, eu tive um aborto. Foi o pior dia da minha vida. Dia das Mães de 2010. Assim foi o dia das mães para mim e para minha mae, que não me abandonou um segundo.
Depois disso, retomei minha vida, terminei a faculdade, me casei. Porém vivia amargurada, tomando todos os cuidados para não engravidar novamente. Só que no início de 2014, comecei a tomar ácido fólico. Ainda não tinha certeza se largaria o anticoncepcional, mas pensava que mal não ia fazer. Em abril, decidimos que íamos tentar novamente e, em maio, eu já estava grávida. Passei meu primeiro dia das mães sem saber que ja estava grávida. Neste dia das mães, eu me emocionei muito, vendo um coral de crianças. Caí no choro e fui amparada pela minha mãe. Ela me disse coisas lindas naquele dia e eu já estava grávida. Posso dizer que eu sofri muito durante esse período de 2010 a 2014. era um vazio em mim e uma grande angústia e tristeza me acompanhavam. Eu tinha pesadelos, acordava gritando, dizendo que queria minha filha (era uma menina o bebê que perdi). No final de maio confirmei: estava grávida. Contei para o meu marido no dia seguinte. Ele me disse: “Por que essa cara, você não está feliz?”. Eu respondi dizendo que tinha medo que acontecesse novamente. Ele me deu um abraço forte e disse: “Você será mãe… você já é mãe”. E assim, a cada ultrassom era um misto de medo e ansiedade. Até que passou a fase da formação fetal. Para mim, 2014 foi um ano incrível, curtindo cada minuto da gravidez. Em Janeiro de 2015, Gabriela nasceu e é a luz da minha vida. No dia 23 de janeiro, ela fez um ano. Um ano de muita alegria. Minha filha é muito saudável, esperta, uma dádiva. Ela me renovou… Hoje eu sou muito feliz. Hoje eu sou Mãe.

Rafaela Machado Mendes , São Luis/Ma, mãe da Gabriela, de 1 ano

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Me chamo Isabela, tenho 26 anos sou casada e mãe de três! Uma no céu, e dois nos braços! Engravidei em 2012 da minha tão sonhada princesa, Maria Fernanda! Tudo ia muito bem, até que, na 24ª semana, tive pré-eclâmpsia e síndrome de Hellp e a única solução foi o parto! Fiquei internada e tentamos segurar, mas não dava mais para esperar. 26 de abril de 2013, sexta-feira, 11h, nasceu Maria Fernanda,  com 24 semanas, 30 cm, 385 gr. Ela foi pra uti e eu também. Meu marido acompanhou tudo. Ele esteve ao nosso lado o todo tempo, tirava fotos dela e levava pra mim. No domingo, tive alta da uti, e já comemorava que poderia vê-la! Fui para o quarto e me preparei para o encontro mais esperado! Eu veria a minha pequena princesa! Mas chegando onde ela estava, recebi a notícia de que ela não estava bem e que teria apenas algumas horas de vida. Meu coração despedaçou, mas eu ainda tinha fé! Voltei para quarto e, à noite, a pior notícia da minha vida: ela não resistiu! Desci pra UTI Neonatal, a peguei em meu colo, já sem vida, e me despedi! Quanta dor!!!!!! Dor que ninguém ali poderia entender! Fiquei mais uns dia internada e não pude ir ao enterro, que foi no dia do aniversário do meu marido.
Nesse momento, eu pensava muito na volta pra casa, pensava no quartinho que tínhamos colocado alguns enfeites dias antes, nas roupinhas que o papai comprou. Algumas pessoas queriam tirar tudo antes da minha chegada, mas não, eu não quis. Eu queria tudo ali, eram as  lembranças. Foram dias difíceis, de muita dor, e vivemos esse luto quase que sozinhos, pois poucos souberam lidar com o que tínhamos passado. Vi (e vejo até hoje) pessoas achando que minha dor não era tão grande, que foi bom assim, pois não convivi muito com ela, aí seria fácil esquecer. Como se eu tivesse perdido uma coisa qualquer, facilmente substituível! Diziam: “Ah, fica tranquila! Logo você engravida de novo!” Claro que eu queria engravidar de novo, mas um filho não substitui outro, nunca! Outros evitavam ao máximo falar sobre o assunto e até mesmo conversar comigo, pois não sabiam o que dizer. E sabe o que eu mais queria?! Era falar sobre minha filha. Decidi procurar por quem já havia passado pelo que passei e procurar também saber mais sobre o que causou a complicação na gravidez, a Trombofilia, então entrei num grupo no Facebook que foi essencial no meu momento de luto. Conheci mais sobre esse problema tão comum, mas tão pouco conhecido, e pude encontrar quem me entendesse de verdade! E fui sobrevivendo… Acompanhada por uma médica especialista em alto risco, engravidei 5 meses depois, fiz todo tratamento  e tive acompanhamento rigoroso. Então, veio meu príncipe, Pedro Lucas, uma alegria imensa! E quando ele estava com 10 meses descobri que estava grávida novamente! E já estava de 10 semanas!! Fiz o Mesmo tratamento e veio a Clarissa. Sou cheia de alegria por ter em meus braços o Pedro Lucas e a Clarissa, mas o lugar da Maria Fernanda aqui no meu coração, ninguém nunca vai ocupar. Nunca será esquecida, a dor da saudade do pouco que vivemos juntas e a dor de não viver o que sonhamos com ela nunca vai acabar! Sua vida, mesmo que tenha sido curta, foi de enorme importância. Mesmo tendo vivido pouco tempo, ela foi muita usada por Deus para ajudar outras vidas. Sua vinda, na verdade, me fortaleceu. Busquei conhecimento e ajudei diversas mulheres a buscarem informação e encontrarem médicos especialistas para que evitassem mais perdas, mais dor! Minha fé me fez forte! Eu creio que em todo tempo, seja bom ou mau, Deus está comigo e em tudo há um propósito! Minha princesa, minha estrelinha, te amarei eternamente!

Isabela, 26 anos, mãe de três (uma no céu e dois nos braços)

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Meu nome é Micaela, tenho 26 anos e engravidei pela primeira vez aos 18. Minha Sofia, fruto dessa gravidez, esse ano completa 8 anos e é uma menina muito especial. Quando ela tinha 3 anos, eu e seu pai resolvemos aumentar a família, mas sem pressão. Assim, paramos com os métodos contraceptivos e iríamos esperar a natureza cumprir seu papel. Engravidei dois anos depois e, claro, ficamos todos muito felizes. Lembro-me de, já nas 4 primeiras semanas de gestação, começar a acompanhar os sites que tratam sobre o desenvolvimento do bebê semana a semana. Como eu queria muito aquele bebê, já tinha os nomes escolhidos. E assim, tudo corria bem, eu praticava exercícios leves diariamente e cuidava com todo esmero da minha alimentação. Não sentia enjoos e estava ótima. Num certo domingo, acordei e lá estava a atualização semanal da minha gestação, que completava 12 semanas e já minimizava os riscos de uma perda espontânea. Fiquei toda empolgada, ia começar a comprar enxoval, escolher berço e todos os preparativos que envolvem a espera de um filho. Meu chefe já havia liberado a licença maternidade de 6 meses. Decidi que naquele domingo iria comer moqueca de peixe. Ela ficou deliciosa, passei o restante do dia em casa com meu marido e minha filha e, de noite, quando minha menina já dormia, decidi para assistir a um filme com meu marido. Colocamos o colchão na sala, nos acomodamos, coloquei a mão dele na minha barriga e senti meu ventre gelar. Lembro-me, até hoje, da sensação, que na hora ignorei. Acabamos dormindo durante o filme e, num dado momento,  senti minhas pernas úmidas e achei que tivesse feito xixi nas calças. Olhei para o relógio, que marcava 2:33 da manhã, coloquei minha mão entre as coxas e logo percebi o sangue. Chamei meu marido que me levou pro banho enquanto colocava a nossa filha no carro e pegava os documentos necessários. Eu entrei em desespero, sabia que meu filho estava se esvaindo pelas minhas pernas (sabe aquela sensação de coisas descendo que temos no pós-parto? Era idêntica). Eu já não conseguia pensar em nada, ver todo aquele sangue no banheiro me deixava tonta. Segui até o hospital, onde fui logo atendida pela médica que me disse só poder confirmar o aborto após as 8 da manhã, quando o técnico de ultrassom iniciaria seu plantão e eu poderia passar pelo exame. Ou seja, ficaria ali, internada até segunda ordem. Segui até a porta da ala de maternidade para avisar meu marido que, ao tentar me abraçar, foi impedido pela enfermeira aos gritos de que ele nada podia fazer ali, pois meu filho estava no chão do meu banheiro, que naquela ala não eram permitidos homens e fechou a porta. Nessa hora eu caí no chão, em pânico, a imagem do meu filho morto, no chão do meu banheiro, me tirou o resto de controle que ainda tinhaPassei a madrugada ali, sozinha, sangrando, chorando, sem nenhum suporte ou apoio, com duas mulheres em pleno trabalho de parto ao meu lado, uma delas à espera de gêmeos. Pela manhã, fui fazer o ultrassom e, quando confirmada a perda, eu não consegui mais parar de chorar. Não era possível conter o desespero, era meu filho, o filho que sonhei, e que nunca poderia conhecer. Fui encaminhada para a curetagem e, depois, para o quarto onde fiquei até o dia seguinte, ouvindo choros de bebês e vendo o entra e sai de mulheres lindas, felizes, com seus filhos no colo.  Ainda no hospital, em algum momento enquanto chorava, perguntei ao meu marido porque ele parecia tão calmo. Ele me respondeu que ainda não era filho dele, que ele ainda não se sentia pai, então não estava triste como eu. Ouvir aquilo acabou comigo. Ainda foi preciso contar para minha filha que ela não teria mais um irmão, e comunicar toda familia. Meu mundo desmoronou, despois  de voltar pra casa, não conseguia mais usar o banheiro, via o tempo todo meu filho ali, sozinho, ensanguentado, sem mim, e eu sem ele. Não conseguia mais ouvir minha filha me chamar de mãe, não sentia prazer no trabalho e cheguei a tentar suicídio. Não conseguia mais dormir, sonhava com meu filho todas as noites, com a progressão da gravidez e estava sempre chorando pelos cantos. Precisei e abusei de medicação para dormir. Toda aquela situação acabou culminando no meu divórcio pouco tempo após o aborto. Depois disso, aos poucos, fui voltando a ser um pouquinho eu mesma. Nessa época, reencontrei um namorado de escola que me convidou para passar um fim de semana na sua casa. Como minha filha estava com o pai, a companhia desse antigo conhecido era prazerosa e eu tomava anticoncepcionais injetáveis, e não vi problemas em aceitar o convite. Tivemos relações sexuais naquele fim de semana e, cerca de 15 dias depois, ao fazer exames para tratar de uma gastrite nervosa, descobri que estava grávida. O pai do bebê me deu todo apoio, de fato, estamos juntos até hoje e nossa filha acaba de completar 6 meses. Confesso que, durante a gestação, tive medo a cada dor, chorei por noites sem fim, e foi esse antigo/novo companheiro a primeira pessoa a me deixar chorar e chorar comigo por aquele filho, aquele de quem eu não conheço o sorriso, nem a voz, nem os olhos, nem a maciez da pele. E quando eu pude chorar meu coração foi voltando ao lugar, a indignação diminuindo e pude me ver amando meu novo bebê. Eu ainda choro, ainda lembro, mas sem aquele desespero impiedoso, massacrante. Nunca vi meu filho, mas se ele soubesse o quanto me fez crescer, o quanto sua partida transformou meu ser e minha vida, acho que ele teria orgulho em dizer pros anjos que certamente o cercam que mesmo que só por 12 semanas de gestação, eu fui, eu sou a sua mãe.

Micaela, 26 anos, mãe de um bebê de 6 meses

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Meu nome é Jenifer, tenho 28 anos, e em 2010 passei pelo momento mais triste e doloroso da vida de uma mulher: a perda de um filho. Minha gravidez foi uma surpresa, mas mesmo assim ficamos muito felizes. Descobri que esperava um bebê com 6 semanas, em abril de 2010, e logo comecei o pré natal. Com 12 semanas, fiz a ultra da translucência nucal e ela deu alterada: 2.6. Até aí, tudo ok, não tivemos muitas preocupações a respeito . Então, com 18 semanas, fui fazer o ultrassom para saber o sexo do bebê e descobrimos que era um menino e que tinha artéria umbilical única e derrame pleural (líquido no pulmão). Isso nos causou muito medo e, logo, meu marido foi atrás de um médico especialista porque ,com esse diagnóstico, minha gravidez deixou de ser normal e se tornou de risco. Por sorte, encontramos um que era bem requisitado e bem indicado e logo marcamos uma consulta. De cara gostei dele. Era um médico atencioso, nos tirou muitas dúvidas e nos tranquilizou dizendo que não era para nos preocuparmos, que meu bebezinho não ia morrer dentro da minha barriga. Fizemos outro ultrasson no consultorio dele e ele confirmou a AUU e o Derrame pleural. Também me pediu mais ecografias para o coração e uma, inclusive, com doppler, para averiguar melhor a situação. Com 22 semanas, fiz a morfológica com doppler e o derrame pleural tinha sumido, graças a Deus, e o Miguel estava bem, crescendo e se desenvolvendo perfeitamente. Com 24 semanas, fiz a eco do coração e deu tudo perfeito. Nessa hora, é claro, ficamos felizes e agradecidos que tudo estava correndo bem. Continuei o pré-natal com esse médico, mas pelo sus (E aqui um detalhe: o tratamento pelo SUS era de matar. Ele era muito grosso e não dava a mínima para o que eu falava). Com 28 semanas, fui fazer uma ultra de rotina e foi detectado um problema no coração do bebê, para meu desespero. Minhas consultas eram de 15 em 15 dias, então foi remarcada para 10 dias depois. Levei o laudo do ultrassom e ele me disse que não era nada, que o lugar onde eu havia feito o exame “não prestava” e eu, mãe de primeira viagem, confiei nele. Só que ao ouvir o coração do Miguel, eu percebi que o som estava diferente. Mas como ele, o médico, não falou nada, então eu pensei que era coisa da minha cabeça. Só que depois dessa atitude dele, meu marido foi atrás de outro médico e conseguiu outro particular que aceitou terminar meu pré natal. Cheguei a ir a uma consulta com ele, ouvimos o coração do Miguel – eu estranhei de novo o som, que para mim parecia diferente, mas nem dei muita atenção, porque se ele era o médico e não falou nada, devia estar tudo certo. Só que no dia 08/11/2010, quando a médica ligou o monitor para acompanharmos o exame, eu juro que olhei e, ao ver o Miguel,  fechei os olhos. Nesse momento, com 35 semanas de gestação, ela, com toda calma do mundo, nos disse que Miguel estava morto. Nessa hora, meu chão desabou, meu mundo caiu e eu queria morrer. Como eu não percebi isso? Já fazia dias que ele estava morto um dia antes eu estava comemorando aquela gravidez. Me internaram na mesma hora. O GO particular que eu ia terminar meu pré natal veio e mandou induzir o parto. Foram horas de sofrimento. A família inteira veio nos apoiar. Lembro que NÃO TINHA ESPERANÇA nenhuma daquilo tudo ser mentira. Eu sabia que era verdade. Estava chocada, anestesiada pela dor e fui, ainda por cima, muito mal tratada pelas enfermeiras que me atenderam. Meu marido, comigo no quarto, acompanhou tudo. Minha bolsa estourou e, sem pensar, foi instintivo mesmo, logo comecei a fazer força. Meu marido viu a cabeça do Miguel. Quando estava saindo, eu coloquei o dedo pra ter certeza e meu marido correu e chamou a enfermeira, avisando o que estava acontecendo. Só que ela simplesmente olhou e disse que aquilo era sangue e mandou eu continuar.  As contrações aumentando, eu fazendo força, até que a enfermeira viu que era mesmo o Miguel nascendo e que já era tarde pra me levar p sala de parto. Assim, tive o Miguel ali mesmo, com um plantonista que, com muito carinho, me ajudou a passar por aqueles minutos de dor indescritível.  Por fim, Miguel nasceu morto. Eu fiquei olhando pra ele o tempo que pude, enquanto a enfermeira pegava a tesoura para o médico cortar o cordão. Miguel era LINDO. Tinha covinha no queixo e estava roxinho. E eu, estava tão anestesiada emocionalmente que não tive reação a não ser olhar e olhar pra ele, o que eu fiz o quanto pude, até que o levaram. Quando amanheceu, e escutei os choros dos outros bebês, aí sim eu cai na real. O obstetra me deu alta e fui direto para o velório. No caminho, eu escutava um choro de bebê no meu ouvido. Quando chegamos lá,  meu marido e eu desabamos de novo. É muita dor não tem palavras que descrevam o que vivemos. Preferimos não ver o Miguel no caixão, pois é dor demais. Nunca na minha vida imaginei que passaria por tamanho sofrimento. Tive o meu sonho destruído. Sabia que nunca mais teria o Miguel comigo, não o amamentaria, não iria sentir o seu cheirinho. Eu me sentia morta viva. Quando meu sogro colocou o caixão na cova eu morri junto. Metade de mim não existia mais. E quando voltei pra casa, o quartinho dele estava  trancado.  Foi difícil, doloroso  e ainda é. Sinto falta dele, penso em como ele estaria agora. Mas nunca perdi a fé e a esperança que Deus me mandaria outro. E eu engravidei,  exatamente no mesmo mês que havia engravidado do Miguel. E esse novo bebê nasceria no mesmo mês do querido filho que eu havia perdido.  

Jenifer, 28 anos, mãe do Miguel Vinícius
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