Sabe essa história de que a gente tem um filho e perde a memória? De que ela vai embora junto com a placenta? Isso é a mais pura verdade e eu sou levada a crer que é um mecanismo de defesa e de sobrevivência da espécie. Hoje me peguei pensando nisso e já vou explicar por que.
Estou conversando por email com uma mãe cujo filho tem APLV. Ela me fez algumas perguntas sobre como foram as coisas com o Leo, o que ele sentia, como foi a melhora, o tratamento, enfim… esses detalhes. Quando fui responder as suas perguntas, pedi desculpas por lembrar tão pouco dos detalhes, e dei a culpa na maternidade. Só que logo em seguida, me surpreendi com o que eu estava escrevendo e vendo diante dos meus olhos: como é que eu havia esquecido daquele pesadelo que eu vivi? Eu jamais imaginei que fosse sair da minha cabeça todos os dias e noites que sofri feito um cão sujo, molhado, com fome e largado na sarjeta (ai que exagero! mas só para dar uma ideia do desespero) por ver todo o sofrimento que o Leo estava passando e e que eu não sabia quando iria acabar. E hoje me pego assim, dizendo que não lembro direito de como foram as coisas.
E não lembro mesmo (tanto que estou aqui, grávida de outro). Apaguei, deletei, esqueci, ficou no passado. Claro que se paro para relembrar eu revivo sim um pouco de tudo aquilo que foi difícil, mas digamos que, não mais com toda aquela intensidade que foi na época, simplesmente porque a minha memória foi seletiva e guardou o que merecia ser guardado: muito mais o aprendizado e muito menos o sofrimento.
E o mesmo vale para tantas outras coisas, que a grande maioria de nós, se não todas, vive: a dor do parto ou da recuperação, as noites mal dormidas, as cólicas infindáveis, os choros sem explicação, aquele medo absurdo de fazer tudo errado, a vontade de fugir de casa de vez em quando. Tudo isso, ou quase tudo, a gente vive. Por dias, semanas ou meses, e depois isso vai se dissipando com o tempo, vai ficando no passado, vai se tornando só um fio na nossa memória.
E vai embora junto com o tempo porque as coisas boas são muito mais expressivas, importantes e marcantes. Porque, com o passar dos dias, as coisas ficam sim mais fáceis e a balança vai se tornando mais equilibrada, com o pratinho das coisas difíceis e duras ficando mais leve e com o das coisas gostosas e felizes ficando cada vez mais cheio.
Sim, a natureza é perfeita na sua sabedoria. Ela sabe medir muito bem os desafios que nos impõem. Ela começa com aquela tempestade de surpresas nem sempre agradáveis e depois vai deixando a chuva mais branda até que ela seja só um garoa leve no fim do dia. E alguns dias ou meses depois, o sol nasce de trás das nuvens, seca tudo que ficou molhado e faz as verde e o colorido das flores renascer.
Sim, você, assim como eu, por mais que duvide, vai esquecer da parte difícil. Pode lembrar que foi difícil, bem difícil, e se emocionar de vez em quando por isso, mas não vai mais sofrer ao lembrar do que passou. E vai seguir adiante, feliz da vida, pois aquele serzinho que tantas coisas difíceis te fez passar também trouxe as maiores e mais importantes alegrias da sua vida. Trouxe a certeza que vale a pena sair da cama todo santo dia, dar o seu melhor de si e se entregar de corpo e alma à vida simplesmente porque ele existe!