Vocês conhecem a seção Confessionário do site www.bebe.com.br? Quem nunca ouviu falar, vale a pena dar uma espiadinha.
O confessionário traz o depoimento de mães experientes (ou nem tanto) falando sobre lado não tão doce da maternidade.
Acho super legal a leitura porque faz com que a gente se sinta um pouco mais normal (e humana) em todas aquelas situações nas quais a maternidade está mais para o lado do peso do que par ao lado do prazer. O que, para quem ainda não sabe ou não descobriu, costuma acontecer com uma certa frequência.
Eu particularmente, adorei o texto abaixo, extraído de lá. Vale a pena dedicar alguns minutos! Boa leitura.
“A mãe” que eu não sou e a que eu consigo ser
A blogueira Mariana Zanotto decidiu ser uma mãe sem culpa e não dedicar todo o seu tempo aos filhos. Essa ideia levou anos para ser amadurecida e neste post a mãe de Alice e Lucas conta como isso foi possível. Mariana escreve no blog Pequeno Guia Prático para Mães Sem Prática e é colaboradora do portal Minha Mãe que Disse.
Oi, meu nome é Mariana e eu sou mãe de dois. Tenho nas costas 5 anos de maternagem, muita autoterapia, muitos quilometros rodados como autora e leitora de blogs maternos e uma clareza de coisas inimagináveis (ou inconfessáveis) para mim há 5, 4 ou 3 anos. Há um tempinho entrei num processo doido de “desconstruir a mãe”, e isso me ajudou um bocado a lidar com algumas angústias que vieram junto com os filhos.
Do todos os discursos que a palavra “mãe” carrega, dois sempre me incomodaram.
O primeiro é o do sacrifício. A gente pega frases famosas acerca da maternidade e o que se lê nas entrelinhas é que filhos são uma espécie de castigo. “Ser mãe é padecer no Paraíso”, confere? “Quem pariu Mateus que o embale”. “Toma que o filho é teu”. O filho é um fardo a ser carregado e sofrer faz parte da beleza de ser mãe – então vamos romantiza as dificuldades e tirar daí nosso valor.
O segundo, contraditoriamente, é o da felicidade incomparável, superior e sobrenatural que a maternidade traz. Ser mãe dá sentido à sua vida. Te faz conhecer o amor e a felicidade incondicionais, de um modo que você nunca conheceria de outra forma. Ser mãe é, indiscutivelmente, a melhor coisa que pode acontecer na vida de uma mulher.
Quer dizer: quem pariu Mateus que embale, mas fica calma, mãezinha, que embalar Mateus vai ser a maior felicidade da sua vida! Confuso, não?
Mas não importa. Nós compramos felizes esses discursos. Padecemos no paraíso, embalamos Mateus, sentimos o amor sobrenatural e agradecemos todos os dias a dádiva de ser mãe. Fazemos isso nos nossos blogs, nas conversas com amigas, nas novelas e nas propagandas de fralda. Bom, falo por mim: eu já fiz, e muito, tudo isso aí. Já me senti a embaixadora das mães e bebês no planeta Terra. Mas vou contar um segredo: tem coisas sobre maternidade que eu não ouso dizer. Nem no blog, nem para as amigas. E vocês também têm, aposto.
Daí que eu tive a fase do encantamento enlouquecido pelos meus bebês. Acreditei que a minha vida ganhou sentido depois dos filhos. Que só naquele momento eu estava conhecendo a felicidade. Que ser mãe é sim a melhor coisa que pode acontecer na vida de uma mulher. Aíos hormônios baixaram e eu recuperei a clareza de pensamento entramos em fases um pouco menos arrebatadoras. Passada a paixão enlouquecida, o que ficou foi um amor imenso e a sensação boa de pertencer àquelas pessoas, àquela família. Mas me dei conta do óbvio: a minha vida não “ganhou sentido”, ela já tinha. A felicidade eu conheço desde muito cedo, graças a uma família ótima, escolhas certas e muita sorte nessa vida. Ser mãe é a melhor coisa que pode acontecer na vida de uma mulher? Não sei. Para mim, ser mãe é muito bom, muito transformador, muito chato, muito difícil, muito enriquecedor, muito cansativo, muito engraçado e traz sentimentos muito, muito intensos. E para você? E para a sua amiga? E para a sua própria mãe? Será que todas têm a mesma opinião?
O que estou querendo dizer é: padronizar as mães e esperar delas que sejam sempre A MÃE, essa entidade sagrada que aparece em montagens do facebook ao lado de frases bonitas, é sacanagem. Vender esse ideal de que mãe é quem se doa integralmente, vive para o filho, sofre sempre com um sorriso no rosto e aparece toda virginal nas campanhas de amamentação é um desserviço às mães. Cria uma meta de perfeição muito difícil de ser atingida. Te faz acreditar que ficar de saco cheio te desqualifica como mãe, porque né?, MÃESnão ficam de saco cheio – no máximo elas padecem no paraíso agradecendo todos os dias pela felicidade suprema de ser mãe, lembra?
Pois as coisas não são tão simples, os sentimentos não são tão claros, as fases mudam, nós mudamos. As mães, mesmo tão iguais, são diferentes. E se um dia você ousar pensar que, bom, os filhos são muito importantes mas não são A sua vida e sim PARTE dela, pronto: você não é mais digna de montagem no facebook. Você foi chutada do clube das MÃES, esses seres perfeitos não eram nada, não conheciam o amor e não tinham nenhum sentido em suas pobres vidas antes da chegada dos seus pimpolhos.
Eu não estou apontando o dedo para ninguém além de mim mesma. Eu já sorri e fui uma mãe de facebook declarando tudo isso aos quatro ventos. E era sincero. Mas não era toda a verdade, só parte dela – a parte mais bonita. Hoje eu entendo isso um pouco melhor.
Vou contar uma historinha que explica um pouco a minha trajetória de encontrar, entender, odiar e perdoar (quase…) a mãe que eu sou hoje.
Eu já fui integralmente dedicada aos filhos. Fui a mãe que, orgulhosamente, dá conta. Tive ajuda da minha mãe e da moça que trabalha em casa, mas as funções primordiais foram nossas, minhas e do maridão. Mais minhas, porque o acordo era esse: ele trabalhava fora e eu trabalhava “dentro” (pequenos freelas incluídos). Foram 3 anos e 8 meses assim, e então eu arranjei um freela mais longo e precisei contratar uma babá , o que era o meu pior pesadelo. “Precisei” porque a escola que escolhemos não tinha período integral e porque eu não queria mais abusar da minha mãe como abusei nesses quase 4 anos. Com dúvidas, com dor e com culpa, contratei a babá. E aconteceu o impensável: a presença da babá tornou a minha vida melhor, a ponto de eu não deixar a moça ir embora mesmo depois do freela acabar. Hoje trabalho em casa e tenho essa desculpa para mantê-la, mas cá entre nós: mesmo se o trabalho se for, a babá fica. Precisar, não precisa – eu ainda posso dar conta, como dei por tanto tempo. A babá fica não porque eu preciso, mas porque eu quero.
Ai, o querer. E mãe lá pode querer alguma coisa, ainda mais se essa coisa não for necessariamente o melhor para os filhos, como é o caso?
Sim, sim! Eis o ponto, o xis da questão, o EUREKA de todo esse meu falatório! O que mudou em mim de 5 anos para cá, graças ao estalo de admitir que eu também posso querer, é que eu comecei a valorizar o bem estar da mãe (e do pai) tanto quanto o dos filhos.
Só que eu dei azar, colegas. O meu querer não é o querer certo para uma mãe de família. O meu querer, na maioria das vezes, passa longe do pega-pega, do giz de cera e das panelinhas. O meu querer é meio egoísta e adulto demais. Conflito de interesses detected. E agora?
Sorte das mães cujos quereres são os mesmos dos pequenos. Ou daquelas que ficam muito bem no esquema “dedicação total a você” e para quem a doação total é recompensadora, estilo se meu filho está feliz eu também estou. Minhas sinceras palmas pra elas, acho admirável, até invejo. Mas existem mães como eu, com esses quereres tortos. Mães para quem a doação total é custosa, pesa na rotina, atrapalha a vida, tira o tesão. Mães do tipo se meu filho está feliz, eu também estou, mas falta alguma coisa…
Pra mim, dentro do esquema “mãezona” que eu me impus, faltava eu. Não no começo, quando a maternidade me preenchia, mas depois de um tempo, com as crianças maiores um pouquinho. Faltava eu para além da mãe, saca? Sinto falta da esposa, amiga, profissional, botequeira e festeira que eu posso ser. Da moça que lê e vai ao cinema e dança fazendo um inevitável biquinho. Da defensora da preguicinha domingueira, do ócio criativo e do dolce far niente. Tudo o que eu ainda quero ser (e fazer) exige tempo. Os filhos também. De modo que, céus!, eu não raras vezes prefiro estar sem os filhos por perto para tocar certos aspectos da minha vida. Tenho adorado dividir a parte chata da rotina com a babá. E pior (segura, gente, que vai ser uma revelação fuerte!): descobri que eu não tenho o mesmo prazer que vejo escancarado por aí no que diz respeito à maternagem. Os meus filhos (incríveis, inteligentes, simpáticos, sacanas e genuinamente legais) eu amo profundamente. Mas não amo a tal rotina de mãe, não. O trabalho 24/7, as brincadeiras repetitivas, os horários limitados… Eu encaro tudo isso, é claro. Assumo a responsabilidade. Mas não adoro, pelo menos não no atual momento (porque a minha disposição também tem fases).
Agora vamos lá: Se não queria ter o trabalho, pra que teve filhos? em três, dois, um…
Já sofri por me cobrar desse jeito, mas parei. Acho tão simplista reduzir a maternidade a uma vocação, uma competição pra ver quem é melhor, mais dedicada, mais capaz. A maternidade envolve sentimentos tão complexos, imprevisíveis, contraditórios, mutantes. Reduzi-la a “filhos são a razão da minha vida” é pouco. Eu tive filhos porque quis, porque eles trazem coisas fantásticas, porque ser mãe me faz uma pessoa melhor, porque a experiência é incrível e inigualável (para o bem e para o mal). Mas só a maternidade não me define. Ela mudou a minha vida – e eu aceito essa mudança – mas não me mudou inteira, entendem? Sobrou ainda muita coisa aqui que não tem a ver com filhos, e essas outras coisas também merecem espaço na minha vida.
Então eu decidi encarar tudo com mais leveza. Decidi não endossar o tal discurso do sacrifício, o mater-dolorosa-way-of-life. Decidi pelo estilo culpa-free (meta ainda não atingida, mas se um dia acontecer serei chutada do clube das MÃES de vez, hoho!). Atenção: culpa-free não significa “Dane-se, vou fazer o mínimo, tô nem aí.”. Significa: vou ser a melhor mãe que consigo ser, sem me anular e levando todo mundo (e não só o filho) em conta.
Eu demorei quase 5 anos para tomar essas decisões e, sobretudo, fazer as pazes com elas. Admiti há pouco tempo que nem sempre coloco os filhos em primeiro lugar. E vejam: não digo isso com orgulho, de modo algum. O que estou fazendo aqui é admitir certas falhas que parecem incompatíveis com a maternidade: eu sou imatura, um pouco egoísta, um pouco hedonista e muito preguiçosa. Ou nego isso e viro a mãe perfeitinha e frustrada de filhos absolutamente felizes (quem dera fosse garantido assim, né?), ou admito as falhas e tento equilibrar as minhas necessidades e as dos meus filhos de modo que ninguém saia perdendo muito. Escolhi o equilíbrio. E, sinceramente, não sei se meus filhos perderam tanto assim. Sei que eu ganhei muito.
Para terminar, uma analogia bonita usando um cenário idílico: era uma vez uma montanha muito alta. Lá no topo, com uma vista fantástica, estavam as minhas crianças. Cá embaixo, quase no chão, nós, os pais. Só que não estava dando muito certo. As crianças são importantes, mas nós também, ué. Então tiramos as crianças do topo e fomos, todos juntos, para uma clareira um pouco mais embaixo (é que no topo não cabem os quatro). Agora toda a família está junta, não tããão lá em cima, mas no alto o suficiente para a vista do horizonte continuar sendo bem bonita. Não mais a vista espetacular que era exclusividade das crianças, mas uma bela vista que a família inteira compartilha (e quem disser que quem compartilha é a babá leva uns croques na fuça!).
A mãe que eu sou agora pode não ser A MÃE que ganharia uma montagem no facebook, mas é a mãe que eu escolhi e consigo ser: a que tenta se fazer nem mais, nem menos, mas tão feliz quanto os próprios filhos.