Estamos vivendo uma fase bastante delicada aqui em casa atualmente. Leo está super ligado em mim e tem dado uns bons “gelos” no pai, isso quanto não declara guerra contra ele. Assim que comecei a perceber esse comportamento, lembrei de um comentário que ouvi há alguns meses, da minha antiga terapeuta. Ela comentou que, por volta de 3 anos de idade, as crianças começam a desenvolver um comportamento conhecido como Complexo de Édipo. Quem tem algum conhecimento da teoria psicanalítica de Freud já deve ter ouvido falar sobre isso, mas basicamente, esse conceito quer dizer que, nesta idade, a criança rivaliza com o seu genitor do mesmo sexo (menina com a mãe e menino com o pai) e aproxima-se do genitor do sexo oposto e, ainda, que essa fase está bastante pautada na descoberta da sexualidade e também na percepção da existência de limites no universo da criança.
Bom, como estou começando a viver um pouco disso tudo (Leo está com 2 anos e meio), pedi que a Raquel Suertegaray, que escreve a coluna Psicologia Infantil aqui do blog, abordasse esse assunto e explicasse um pouco melhor como é que tudo isso acontece e o que nós, pais, podemos fazer para lidar com essa situação, amenizar os problemas atuais e evitar os traumas futuros.
Raquel aceitou o desafio de abordar um assunto tão complexo numa linguagem um pouco mais simplificada e aqui está o seu texto sobre o Complexo de Édipo. Boa leitura!


Sobre o Complexo de Édipo
Por Raquel Suertegaray
Olá mamães, hoje vamos falar de um tema que desperta curiosidade, fantasias, temores e distorções: o Complexo de Édipo. O conceito foi desenvolvido por Freud e está implicado em seu entendimento da sexualidade infantil. No entanto, o que rege este complexo é uma batalha entre o amor e a hostilidade que acontece no mundo interno da criança, diante de seus impulsos e os temores que estes lhe suscitam.
Vou tentar explicar este conceito tentando fugir de terminologias técnicas e contextualizando-o dentro do desenvolvimento da criança.
O bebê vem de um período de dependência, no qual precisa de cuidados exaustivos, cuidados aliás, que todas somos peritas e sabemos o quão exaustivos são! Estes cuidados trazem à criança uma vivência de ser o centro das atenções e detentor de todo o amor.
Neste primeiro momento, até por suas limitações físicas, o bebê encontra boa parte de sua satisfação no próprio corpo, inicialmente através zona oral, pois seu contato com o mundo começa pela boca que recebe o alimento, sendo colocada em evidência e por um longo período serve como “leitor do mundo”.
O bebê cresce mais um pouco, lá pelos dois anos, já mais autônomo, começa explorar outras partes do seu corpo e percebê-lo, até que se depara com a região anal, quando se torna consciente dela pelas sensações corporais e também pelo investimento da família que se volta a esta zona, pois começam as tentativas de retirada das fraldas.
Geralmente, nesta época, a criança já possui uma compreensão maior das coisas, começa a frequentar o banheiro com os pais ou por estar na escola e ter contato com outras crianças, despertando sua atenção para os órgãos genitais e é assim confrontada com as diferenças entre os sexos.
Percebe esta diferença nos seus pais, o que desperta sua atenção para o genitor do sexo oposto. Este interesse provoca um investimento afetivo maior neste genitor, ou seja, a criança se volta para ele. Mas, como ainda está habituada a ser o centro das atenções, busca permanecer nesse lugar, se colocando entre o casal.
É normal que nesta época a menina se intitule princesa e nomine o pai como seu príncipe e que o menino diga que é namorado da mãe ou que casar com ela. Porém, deparam-se com a realidade e nela com um rival que lhe mostra que não, que aquele homem ou aquela mulher não lhe pertencem, que ela terá que buscar seu príncipe ou sua namorada em outro lugar.
Nesta época, a criança passa a explorar mais o ambiente e naturalmente a se deparar com um número crescente de proibições. Assim, os “nãos” passam a povoar boa parte do que é dito a ela e, com isso, a frustração a que é confrontada aumenta e a sua ilusão de ser o centro do universo, dona de todo amor e atenção, vão sendo colocados à prova.
Estes cenários paralelos farão com que a criança perceba que o mundo é maior que seus desejos e vontades e que ela e os pais ocupam lugares diferentes, estando em níveis hierárquicos diversos.
Como seria de se esperar, a criança reage a esta interdição ao prazer infinito de ter seu desejo satisfeito, e por isso, a sua reação é de rivalizar com este interditor que coloca em cheque seu conto de fadas (interditor aqui, no caso dos meninos é o pai e das meninas é a mãe, ou seja, o seu “rival”). O conflito está estabelecido, pois ela, a criança, ao mesmo tempo que quer eliminar o seu “algoz, ama e teme-o.. Novamente, vale lembrar que este enredo se passa no mundo interno, é inconsciente, ou seja, a criança não tem acesso a estes impulsos.
Neste contexto, impedida de rivalizar com o genitor do mesmo sexo (meninas com a mãe e meninos com o pai), seja pela ameaça da retaliação ou pelo temor da perda do amor, a criança encontra como saída a possibilidade de se identificar e ser como ele. Neste processo a criança passa a ter os pais dentro de si.
O temor da castração tão difundido no Complexo de Édipo, entendido como o medo da retaliação pelo então “rival” e alimentado pela percepção da diferença anatômica entre os sexos, pode ser traduzido na vida real como uma introdução ao proibido a interdição ao prazer total. Esta dinâmica traria a criança a possibilidade de ter dentro de si a lei.
Certamente, muitas mães que criam seus filhos sozinhas estão se perguntando, “mas e no meu caso, onde não existe um pai?”, é um questionamento providencial para esclarecer que não falamos de papéis reais, tão pouco de situações concretas. Assim, para que esta ligação seja sadiamente abalada, se abrindo para um mundo maior, basta que a mãe volte sua atenção para outras coisas, pode ser um homem, mas pode ser seu trabalho, atividades que a interessem e até mesmo ela mesma.
Dentre as importâncias do Complexo de Édipo, temos portanto o estabelecimento do princípio de realidade, que toma o lugar do princípio do prazer. Desta forma, a criança se torna capaz de compreender que o mundo não é regido por seus desejos e que existe uma lei maior, que exige que, em muitas situações, temos de abrir mão do que queremos, pois não podemos ter tudo.
A introjeção deste princípio pode parecer banal, mas será determinante no futuro, quando nossos filhos não mais estiverem sob nossas asas e se depararem com um mundo que frustra por um lado e por outro oferece inúmeros convites ao prazer sem fim. Se eles não tiverem a seu tempo entendida a noção do proibido, de que a satisfação não é uma fonte inesgotável, muito provavelmente se jogarão nesta busca e poderão encontrar a satisfação artificial oferecida pelas drogas e possivelmente o limite oferecido pela sociedade, entrando em conflito com a lei.
E como agir nessa fase complexa do Complexo de Édipo, para evitar esses problemas futuros que acabei de citar? De uma forma bem simplista, os pais devem evitar que a filha vire a “namoradinha” do pai e que o filho vire o “namoradinho”da mãe. A criança tem que entender, através das atitudes dos pais, que eles vivem em níveis hierárquicos diferentes. E essas atitudes são, por exemplo, evitar beijar a criança na boca, evitar dormir na mesma cama (pai com filha e mãe com filho) e casal manter a porta do seu quarto fechada, preservando assim a sua intimidade (obviamente, não todo o tempo, quando isso se fizer necessário). Isso, claro, não quer dizer que o carinho e o amor devem sair de cena. Beijos e abraços são sempre bem vindos, mas na situação de pais para filhos e não pares. Além disso, os limites tem que ser impostos, por mais que a criança lute em aceita-los. Ou seja, o não deve ser dito, a criança deve sim lidar com perdas e frustrações e entender que nem tudo pode.
Durante esta fase, ainda, a criança passa por um período que a sexualidade fica mais evidente, a excitação é muito presente, da mesma forma que a curiosidade pelo sexo oposto, e muitas vezes, estes movimentos provocam temor nos pais pela precocidade.
No entanto, em situações adequadas, passado este período, a criança entrará em um período onde a sexualidade acaba sendo deixada de lado, adormecida, e com isto, ela poderá se voltar para a aprendizagem. Nesses momentos, meninos irão para um lado e meninas para outro e sentirão aversão pelo sexo oposto, até a entrada da puberdade, quando a sexualidade novamente se apresentará, com hormônios a flor da pele e novos personagens, agora, fora do ambiente familiar.
Sei que esse é um assunto bastante complexo, pois envolve conceitos bastante profundos de psicanálise, mas vale a pena passarmos por eles nem que de forma um pouco superficial para, pelo menos, entrarmos em contato com essas questões e podermos ficar cientes da importância dessa fase na vida dos nossos filhos. Só assim poderemos lidar com as dúvidas e angústias deles e nossas.
Espero que tenham gostado do texto e que ele seja bastante útil. Agradeço a atenção de todas vocês e até o próximo mês, com mais uma edição da coluna Psicologia Infantil.
Raquel
Nota: de acordo com a teoria psicanalítica Freudiana, a nomenclatura “Complexo de Édipo” é atribuída tanto a meninos quanto meninas. Já Jung, no caso de meninas, atribui esse comportamento o título de “Complexo de Electra”.